A culpa exclusiva do paciente como causa de exclusão da responsabilidade médica

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O paciente devera envidar todos os esforços (meios) no sentido de seguir as prescrições dadas pelo médico para o efetivo tratamento da patologia e restabelecimento da sua saúde, do contrário, não poderá atribuir ao profissional a responsabilidade pelo dano que sofrer.

A importância deste estudo está relacionada ao aumento vertiginoso dos casos de erro médico que fazem, anualmente, inúmeras vítimas que quedam indefesas, amargando profundos e irreparáveis danos estéticos, materiais, morais e existenciais, por não saberem como lidar com estas situações. Pelo menos é isso que a mídia, escancaradamente, estampa nos noticiários, todos os dias. Contam, como sempre, apenas uma versão dos fatos, analisam apenas um lado da história, julgam impiedosamente apenas um lado dos contendores.

Infelizmente, todos os dias, aumentam exponencialmente os casos desastrosos de erro médico, que estão vitimando um número cada vez maior de vidas humanas, ceifando a uns, aleijando a outros. E, para os casos em que o médico realmente é culpado, impõe-se sua responsabilização em todas as esferas possíveis, seja a civil, a penal e a ético-disciplinar, neste caso, por meio de denúncias no respectivo e competente Conselho Regional de Medicina.

Entretanto, em um número cada vez maior de situações, o paciente tem sido o grande protagonista dos danos que alega ter sofrido. O médico não pode ser visto, a priori, como o grande vilão da relação médico-paciente, notadamente no Brasil, onde, como se sabe, há pouca cultura voltada aos cuidados que qualquer pessoa deve ter consigo mesma. Desde a automedicação até o total abandono dos tratamentos clinicamente prescritos, os pacientes têm demonstrado condutas altamente reprováveis e que fazem com que os mesmos sejam os únicos que devem ser considerados os responsáveis pelos danos que experimentam.

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Neste momento, analisaremos um instituto jurídico muito importante para a responsabilidade médica e que, se presente, exclui a responsabilidade do profissional. Trata-se da culpa exclusiva do paciente, que é uma causa de exclusão do dever de indenizar/reparar/ressarcir.

A causa de irresponsabilidade denominada de culpa exclusiva do paciente ocorre quando o paciente é o único e exclusivo responsável pelos danos que diz ter experimentado. Esta causa, como classificada acima por nós, é uma causa de efeitos restritos, uma vez que exime apenas o pretenso autor do dano (médico), em decorrência de um comportamento ativo da vítima (paciente) na causação do mesmo. Aqui a ação ou omissão causadora do dano é perpetrada pela própria vítima/lesado/paciente. Nestes casos, o paciente age em sentido diametralmente oposto às recomendações do médico, vindo, por conseguinte, a experimentar um dano que, em hipótese alguma, pode ser atribuído ao profissional.

A missão do direito é proteger as pessoas, cujos direitos sejam ameaçados ou violados, resguardando-as da ameaça de lesão e punindo o infrator em caso de dano, determinando que o mesmo repare os prejuízos que causou.

Assim, o direito visa a proteger a pessoa que, sem culpa e participação, tenha sido alvo da atitude lesiva de outrem. A vítima, apesar de se manter dentro dos limites da legalidade, cuidando da própria vida, foi alvo de um evento lesivo, perpetrado pelo agente que, culposa ou dolosamente, extravasou os limites da legalidade e foi lesar direito de outrem.

Entretanto, se a vítima (paciente), ou melhor, a pretensa vítima, de forma exclusiva, sem a participação do pretenso agente (médico), causa um dano a si mesma, não haverá a quem se imputar tal responsabilidade, salvo a si mesma. Aqui o agente é algoz e vítima de si mesmo.

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Em isto se verificando, não há como a pretensa vítima pretender indenização, pois não houve e não há agente a quem possa ser imputada a responsabilidade pelo evento, a não ser à própria vítima. Se esta, realmente, quiser acionar alguém, deverá acionar a si mesma, o que seria um contrassenso jurídico, além de evidente impossibilidade processual.

Haveria o absurdo, in casu, de a vítima figurar, numa ação judicial, em ambos os polos. Seria autora e ré ao mesmo tempo. Um contrassenso sem tamanho, consoante já dito. Aliás, isso é processualmente inadmissível, pois, uma vez que autor e réu se confundam, isto é, sejam uma mesma e única pessoa, haverá a extinção do processo sem resolução do mérito, a teor do que dispunha o art. 267, X do CPC/1973[2], mas que não foi reproduzida, tal hipótese, no art. 485[3] do CPC/2015. Tal reprise se mostrava desnecessária, posto que uma pessoa não pode, em uma relação processual, ser autor e réu ao mesmo tempo. Isso é um contrassenso lógico. E postulados lógicos que entram em choque se autodestroem. Logo, a reprise era mesmo despicienda.

A vítima, com este comportamento, estaria praticando uma autolesão. E, se nem mesmo o Direito Penal, que é a esfera do direito mais severa, mais invasiva, que cuida das questões mais urgentes e protege os bens jurídicos mais importantes[4], não reputa a autolesão como crime[5], igualmente, na seara civil não se deve cogitar de responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima.

Havendo culpa exclusiva da vítima, a responsabilidade será somente desta, não tendo a mesma direito a qualquer indenização. Neste caso, havendo dano, material, moral e/ou estético, a vítima ficará irressarcida, pois, se experimentou dano, foi por sua exclusiva culpa.

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Há que se ressaltar que, se a vítima, cônscia de que foi a única responsável pelo evento danoso, mesmo assim, ousa ingressar em juízo pleiteando indenização, em verdadeira demonstração de aventura jurídica, além de o juiz julgar sua pretensão improcedente e condená-la ao pagamento dos ônus sucumbenciais (que são as custas processuais), como litigante de má-fé.

 

Fontes: DELGADO, Rodrigo Mendes; DELGADO, Heloiza Beth Macedo. A culpa exclusiva do paciente como causa de exclusão da responsabilidade médica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6462, 11 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89005. Acesso em: 8 dez. 2021.

A culpa exclusiva do paciente como causa de exclusão da responsabilidade médica

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