O agro sabe se comunicar, mas ainda não entendeu com quem

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Em todo o Brasil, há centenas de veículos de mídia e diversas ações de comunicação dirigidos ao agronegócio. Mas quase todos falam apenas para uma parte da cadeia produtiva: a que está dentro da porteira.

Certamente o Agro sabe se comunicar muito bem. Afinal, como dizer outra coisa de um setor que abriga seis emissoras de TV segmentada dedicadas exclusivamente às pautas da agropecuária, programações em emissoras de TV aberta, centenas de programas em rádios espalhadas pelo País, dezenas de revistas especializadas e mais outras dezenas de portais?

O ponto não está no saber se comunicar, mas, sim, com quem é necessário se comunicar.

Muitos profissionais entendem ser melhor direcionar a comunicação para os “convertidos”, pois estes estão mais próximos de se tornar apaixonados pelo agro, ao que poderíamos chamar de “agrolovers”. Em outra ponta, há os que entendem que o caminho é dar foco e atrair os desfavoráveis, que têm propensão a boicotar e ser os mais críticos. Há, ainda, os que pensam em dirigir os esforços de comunicação para as pessoas que se posicionam de forma neutra, para conquistá-las e evitar que passem para o grupo dos desfavoráveis.

O problema da comunicação do setor já se tornou sistêmico, e há décadas é conhecido por todos que atuam na cadeia produtiva.

Nos idos de 1960, o Brasil não tinha produção suficiente para alimentar seu povo e passava por uma iminente situação de insegurança alimentar. Éramos grandes importadores de alimentos, especialmente de grãos e de carne bovina.

Mas o agro se organizou e uniu as forças dos diversos elos da cadeia produtiva: órgãos de pesquisa como a Embrapa, a academia, as indústrias, a rede de distribuição, Associações, Governos, produtores, que, juntos, escreveram um novo capítulo na história do País.

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Nós nos tornamos autossuficientes, temos avançado muito em boas práticas e na sustentabilidade aplicadas no campo, aprendemos a produzir muito mais e em menos espaço, alimentamos nossa nação e somos uma potência nas vendas dos produtos agropecuários. Exportamos para mais de 200 países e conquistamos posições de liderança em diversas culturas agrícolas e rebanhos em todo o mundo.

A maior parte dos brasileiros não tem ideia dessa jornada de conquistas, tampouco conhece os grandes autores desse roteiro de sucesso. Os brasileiros não conhecem, por exemplo, os ex-Ministros da Agricultura Alysson Paolinelli, Luís Fernando Cirne Lima, Francisco Turra, Roberto Rodrigues e tantas outras mentes brilhantes que colocaram o agro brasileiro na rota do crescimento e ajudaram a levar o Brasil à posição de liderança em que se encontra hoje.

O agro investiu em pesquisa, inovação, tecnologia, processos produtivos mais eficientes, mas não desenhou o planejamento de marketing, não criou seu posicionamento nem se comunicou com o seu principal interlocutor: o consumidor que está nos centros urbanos, fora da porteira.

O resultado dessa falta de comunicação profissional e consistente resultou em um quadro bastante preocupante, retratado na pesquisa “Percepções Sobre o Agro. O Que Pensa o Brasileiro”.

Essa pesquisa mostrou que 30% dos brasileiros têm uma atitude negativa em relação ao agro e apresentam grande probabilidade de ser detratores do setor. Desse universo, 51% das pessoas pesquisadas têm entre 15 e 29 anos, ou seja, são jovens em formação que daqui a alguns anos serão nossos grandes consumidores e possíveis líderes, mas que hoje são os críticos do setor que os alimenta e fornece a matéria-prima para a indústria.

Analisando o estudo sobre as percepções do brasileiro, é possível entender que há três possíveis fatores que, juntos, podem levar a população a ter uma posição refratária em relação ao agro. São eles: a falta de informação, a distância social e a distância física.

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A falta de informação – ou o desconhecimento – torna-se ainda mais problemática com a exposição rotineira das pessoas às informações erradas divulgadas frequentemente. Com o advento das redes sociais, a produção de fake news tomou proporções assustadoras, muitas vezes gerando a percepção equivocada de um agro retrógrado, desrespeitoso, que agride e prejudica o meio ambiente, o que definitivamente está longe de ser verdade.

A 8ª Pesquisa ABMRA, Hábitos do Produtor Rural, mostrou que 87% dos produtores brasileiros se preocupam com o meio ambiente e tentam resolver os problemas ambientais gerados em suas propriedades. Mas dados como esse sobre a preocupação dos produtores em cuidar do meio ambiente não são contados para a população. E quando não narramos as nossas histórias, alguém o faz da maneira que acha ser mais conveniente.

Outro fator que contribui para uma possível rejeição ao setor é a distância social: acontece quando não temos um parente, amigo ou qualquer pessoa da nossa rede de contatos que trabalhe ou atue na cadeia produtiva do agro. Sem essa conexão com alguém do agro, mesmo que indireta, não há informação ou referência que possam ajudar a entender o que de fato é e como funciona o setor.

E há também a distância física, quando não existe ninguém próximo que tenha uma propriedade rural, quando não passamos férias em um hotel fazenda ou não temos qualquer contato com a vida no campo.

Sem contar sua história para fora da porteira, sem se comunicar com consistência e sem estimular que a população urbana tenha a experiência de conhecer o cuidadoso trabalho que é realizado pelos produtores no campo, o setor continuará a conviver com mitos e constantemente será refém dos ataques de detratores daqui e do exterior.

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Faz-se necessário sair da posição reativa para, definitivamente, estabelecer o correto posicionamento e construir uma marca forte, a exemplo do que acontece com outros países ao redor do mundo.

É preciso que o agro crie sua própria narrativa e fale com a criança ainda na pré-escola e com o estudante de jornalismo na universidade; envolva a senhora que faz o café, assim como a CEO da empresa; converse com o habitual churrasqueiro e também com o vegano.

Só assim, com o poder do diálogo e da comunicação amistosa e entendida por todos, será possível despertar o sentimento de orgulho e admiração em todos os brasileiros e tornar o agro uma paixão nacional.

O agro sabe se comunicar, mas ainda não entendeu com quem

Por Ricardo Nicodemos – presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agro (ABMRA) e idealizador e mentor do Movimento Todos A Uma Só Voz.

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