Festas de final de ano podem agravar e até desencadear crises de ansiedade em pessoas com transtorno do estresse pós-traumático. O alerta, feito por psicólogos e psiquiatras, confirma o que muitos sentem nos meses de novembro e dezembro. Essas situações, que já são ansiogênicas para a maioria das pessoas, podem ser um forte gatilho para indivíduos que têm condição emocional especial, ou que passaram por momentos difíceis nos últimos meses.
O transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é uma patologia mental que traz consequências físicas e emocionais após uma vivência traumatizante. Pensamentos intrusivos, memórias repetidas, pesadelos e “flashbacks” do ocorrido estão entre os sintomas mais comuns da doença. Pacientes relatam também o evitar constante de pessoas e lugares que possam desencadear lembranças do fato – e esta pode ser uma saída para quem ainda não se sente confortável para participar de celebrações de Natal e ano-novo.
Estima-se que uma em cada 11 pessoas sofrerá com TEPT em algum momento de suas vidas, e as mulheres têm duas vezes mais probabilidade de sofrer com isso do que os homens. “Embora muitas pessoas experimentem eventos traumáticos, cerca de 8% a 12% desenvolvem TEPT”, explica Mariana Maciel, da Thronus Medical, especialista em medicina canábica.
Para entender como as moléculas de THC e o CBD agem no tratamento do transtorno, é preciso explicar o funcionamento do sistema endocanabinoide (SEC): responsável por manter o equilíbrio em diversos sistemas biológicos vitais do corpo humano, o SEC tem dois receptores principais que modulam as respostas neurológicas, inflamatórias e de órgãos. “É, portanto, um sistema modulatório: modula apetite, coordenação, velocidade de pensamento, percepção de dor e inflamação, comumente ligada aos casos depressivos e de ansiedade”.
Relativamente novo no ensino da medicina, o SEC está intimamente ligado à resposta do corpo ao estresse. “No estresse agudo, há uma redução de produção de anandamida (molécula de papel importante nas funções neurofisiológicas)”, explica a especialista. “O CBD também reduz hiperatividade na amígdala e no nucleus accumbens, área do cérebro que cumpre funções emocionais, motivacionais e psicomotoras, conhecida como ‘o centro do prazer’. Estudos demonstraram melhoras significativas dos sintomas, que se relacionam com a redução da anandamida. Por isso faz muito sentido adotar o canabidiol nesse tratamento”, diz a especialista.
A ação do CBD contribui também com funções neuroprotetoras, antidepressivas e ansiolíticas. Muito embora seu mecanismo de ação não esteja totalmente desvendado, estudos mostram suas ações benéficas em tratamentos de ansiedade, estresse, humor, psicose e sono. O CBD, por exemplo, se mostrou útil na diminuição de ansiedade durante teste de simulado de fala pública[1]. Outro estudo demonstrou que doses mais baixas de CBD tem melhor ação ansiolítica em ratos. Uma última pesquisa ligou o CBD com aumento da duração do sono[2]. É importante lembrar que, mesmo em estudos que aplicaram uma dosagem considerada “absurda”, o canabinoide não apresentou toxicidade.
Produtos à base de THC, por sua vez, também são uma opção positiva no tratamento de estresse pós-traumático. “Isso acontece porque esse canabinoide possui propriedades relaxantes e ansiolíticas, que podem induzir o sono, melhorando os quadros de insônia. Ocorre uma importante redução da ansiedade”, explica a especialista. A molécula se liga aos receptores endocanabinoides, afetando a liberação de neurotransmissores que desempenham um papel importante na regulação do humor e da ansiedade.
Diagnóstico e dosagem
O diagnóstico do transtorno é uma dificuldade à parte, já que muitos pacientes não relacionam sintomas como angústia, dores no corpo, tremores, sensação de medo constante, ansiedade e pânico ao sofrimento psíquico.
Deve-se prestar atenção especialmente nos sintomas de esquiva, nome dado à fuga de pensamentos ou sentimentos associados ao evento traumático, bem como as memórias do acontecimento. Por conta desses efeitos, uma das principais formas de tratamento, junto à medicação, é a chamada “terapia de exposição”, quando um psicólogo de abordagem cognitivo-comportamental, em ambiente seguro, coordena períodos de exposição às situações que o paciente tanto evita. Lembrando que existem outras ferramentas ancoradas em abordagens distintas que profissionais da saúde mental podem indicar.
Em relação aos medicamentos de cannabis medicinal, a especialista em medicina canábica recomenda que a dosagem avance devagar e que o acompanhamento do estado do paciente seja feito regularmente. “O lema é start low and go slow, ou seja, não é preciso querer chegar logo à dose alvo. O objetivo é chegar ao efeito terapêutico com a menor dosagem possível”, diz a especialista.