Desde o ano passado me arrisco com alguns textos por aqui. Tivemos receitas, curiosidades, informações e até mesmo um pouco de cultura. A verdade é que sempre gostei de escrever, mas o dia a dia quente próximo à chama e o ato físico de mexer as panelas me afastaram do papel e caneta (ou melhor, do teclado). Mas hoje apresento aqui um ensaio que tem muito de mim e de todo trajeto que me trouxe de volta a região que cresci. Espero que saboreiem.
Francisco meu primeiro filho nasceu em 16 de janeiro de 2012. Acredito que esse foi o momento em que comecei a ter mais consciência do que seria o futuro “ideal” pra mim.
Havia passado mais de dez anos desde que parti de Barreiras para estudar fora. Morei em quatro cidades diferentes, me formei em engenharia de alimentos e depois gastronomia. Conheci muitos países trabalhando a bordo de um cruzeiro europeu e chefiei cozinhas em São Paulo ao lado de renomados chefes. São Paulo segue sendo o shopping da profissionalização.
É muito comum, quase uma regra eu diria, um cozinheiro não cozinhar em seu dia de folga. Esse tão esperado dia, muitas vezes postergado, cancelado ou dividido se torna sinônimo de explorar. Provar a comida de outros cozinheiros, descobrir sabores, texturas e aromas, experimentar combinações tão claras em mentes que não a sua. Folga de cozinheiro é o dia perfeito para comer comida de outro cozinheiro.
Percebi então que todas as segundas feiras eu saía em busca de sabores que de alguma forma me transportariam de volta para cá. Não era fácil encontrar surubim em São Paulo. As frutas não tinham o mesmo sabor e frescor. Não tinha aquele pão caseiro de fazenda pra passar a nata do leite fresco por cima da fatia e colocar no forno. Em meio ao barulho da cidade, o trânsito infernal, o alto custo de vida e uma greve da Polícia Militar de São Paulo eu escutei o chamado do caminho de volta. Curiosamente hoje esse também tem sido o pensamento de muitas pessoas desde o início da pandemia, em março de 2020.
Já em junho daquele ano, especialistas apontavam para a tendência ao êxodo urbano em diversas metrópoles em todo o mundo e também no Brasil, especialmente em São Paulo. No início de 2014 já estávamos instalados de volta. A cidade continuava parcialmente a mesma: todo mundo se conhecia e sabia o que o outro estava fazendo; tinha pouquíssimo entretenimento aos finais de semana, e a distância até Brasília era cada vez mais curta. Mas algo diferente já se destacava: a cidade havia crescido e seguia expandindo muito rápido.
Amigos de infância fizeram jus a anos de história e com muito carinho me ajudaram a trilhar um novo trajeto profissional. Passei a atender fazendas e escritórios com jantares e refeições para aqueles que vinham de fora conhecer uma das regiões mais prósperas do país. Me reconectei com minha história e minha infância podendo cozinhar meus pratos preferidos com ingredientes da minha terra e técnicas aprendidas em São Paulo. Em 2018 participei de um reality show de cozinha, e a chegada até a final me rendeu vários convites para retornar a São Paulo e até para retornar a Europa. Declinei todos.
Esse ano tive a oportunidade de fazer um dos jantares mais especiais da minha história. Foi vendida aquela que já foi uma das maiores fazendas da região, onde eu passei toda minha infância e construí muitas das minhas memórias afetivas em torno de uma mesa.
Em um jantar para finalização do acordo, pude fazer um menu mais que especial, e fechar com chave de ouro esse capítulo da minha história. Uma oportunidade vislumbrada inconscientemente lá atrás, quando a saudade de casa bateu. Por alguma razão que desconheço, embora aparentemente esteja no caminho para entender, sempre teve algo aqui que fazia com que eu me referisse ao Oeste como meu lugar.
E agora, percorrendo todas as ruas (novas e antigas), entrando dentro de tantas casas (de famílias que como eu sempre estiveram aqui, e de novas famílias que acabaram de chegar), participando de tantos momentos especiais, sinto que sou e gosto de ser daqui. Esse é o nosso lugar.
