Adolescentes relutam em abrir a câmera nas aulas online

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Com a acentuação das aulas online aumenta também a resistência dos alunos em abrir a câmera para os colegas da sala. Timidez, exposição, vergonha, mico e o estar diante de um “espelho” são algumas das razões, entenda

Num momento de agravamento da pandemia em que as escolas se recolhem novamente ao ambiente virtual como possibilidade de manter as portas abertas, a polêmica das câmeras fechadas volta a ser assunto entre grupos de pais, escola e adolescentes. O que era um estranhamento ano passado, agora é uma constante na vida de adolescentes e é preciso entender o que acontece do lado de lá da tela para dialogar.

Quem lembra da brincadeira de criança “cabo de guerra“, sabe perfeitamente que está diante da mesma circunstância, mas sob outra configuração. Abrir as câmeras durante as aulas remotas virou uma briga entre pais e filhos, principalmente, os adolescentes. Por diversas razões, eles resistem em ligar e só mesmo com muita pressão da escola e dos professores é que alguns cedem.

Os mais tímidos descobriram o paraíso com a possibilidade de não dar as caras a ninguém. Alguns usam até moletom com capuz como recurso pra se esconderem. Outros um app que congela a imagem. Câmera fechada é quase unanimidade entre os adolescentes durante as aulas online

O recurso é um exemplo das inúmeras possibilidades que os adolescentes têm nas mãos para não aparecer na tela e as razões são inúmeras. Vergonha, mico, preguiça de se arrumar, privacidade ou “ninguém abre então também não vou abrir” e a tela como espelho da própria imagem são alguns exemplos. As razões são legítimas e devem ser respeitadas, mas não eximem o diálogo e a insistência para que abram durante as aulas remotas.

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Para o Prof. Dr. Guilherme Polanczyk, psiquiatra da Infância e Adolescência e professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, o que ele tem observado é que as razões mais frequentes pelas quais eles não ligam a câmera estão relacionadas com a exposição social e com o engajamento na escola. “Pode haver realmente sintomas de ansiedade social, mas o que tenho percebido é que os jovens não acham necessário aparecer”, fala.

Abrir a câmera permite uma interação mais efetiva entre as pessoas, uma exposição um pouco maior e eles parecem perceber como invasivo ou como se algumas palavras ou gírias no chat bastasse para a comunicação e relação. Isso talvez já seja uma mudança na forma de se relacionar com as pessoas advinda de muito tempo de distanciamento social“, aponta Polanczyk.

A mudança na forma de se relacionar que o Dr. Guilherme levanta como possível sintoma da pandemia é algo que precisa ser olhada com atenção. Antes de achar que adolescentes estão sendo mal educados e desrespeitosos com quem está do outro lado, é preciso se perguntar o que mudou na compreensão deles. O que o mundo tem ensinado a eles sobre relações, exposição da imagem e comunicação. Jovens costumam responder aos ambientes externos mais que os internos.

Existe uma menor aderência de abertura entre as meninas que alegam maiores desconfortos com a imagem na tela.

Incomodadas com alguns aspectos das câmeras fechadas, um grupo de mães resolveu se juntar e escrever uma carta para a coordenação escolar pedindo mais eficácia nos meios para garantir que os adolescentes ligassem as câmeras. Elas trazem, além da falta de respeito com o professor, o sentimento de que os filhos se engajam pouco com o conteúdo e as propostas. Assistem a aula na cama, de pijama e muitas vezes nem participam. Vira uma aula expositiva e o professor não tem nem como saber se existe alguém do outro lado da tela.

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Ficar de frente para a própria imagem durante horas a fio é um grande desafio ao adolescente

É preciso olhar para este “lugar tão diferente” com empatia. Ainda que seja um espaço escolar, com colegas e professores conhecidos, é uma sala nova. Um lugar novo para se estar presente. E se pensarmos que a tela tem a função secundária de um espelho, manter a câmera aberta também significa manter-se olhando neste espelho por horas a fio. E como é para um adolescente ficar se olhando no espelho?

Para Polanczyk, a câmera fechada deixa de permitir um monitoramento externo do comportamento, possibilitando que faça outras atividades, durma ou simplesmente não esteja ali. “O ensino à distância é muito desafiador para o estudante e como em toda relação, a responsabilidade é dos dois lados: se temos uma aula expositiva, com dezenas de alunos, o professor não está estimulando a interação. Nesse cenário, por que se expor? Esse é o cenário perfeito para assistir a aula deitado na cama, de pijama, assistindo uma série em um outro dispositivo, obviamente com a câmera fechada”, completa.

Em uma escola, no início da pandemia os alunos não ligavam a câmera. No segundo semestre, a escola passou a pedir que ligassem, que era importante para todos. Neste ano, a escola decidiu ir além e criou no Regulamento Interno um novo capítulo informado na primeira reunião de pais e alunos em fevereiro (on-line). De acordo com a novidade, os alunos devem manter obrigatoriamente a câmera ligada. Caso o professor solicite a participação do aluno e não obtenha resposta, será considerada falta e o aluno poderá ser excluído da sala. Câmera fechada é considerado falta naquela aula.

Algumas escolas foram mais longe e passaram a exigir também a camiseta ou o uniforme, além de não poder comer durante aula.

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Só mesmo Deus e outras entidades…Brincadeiras à parte, não é fácil ser adolescente, o que dirá um adolescente diante de todos os desafios da pandemia e os olhares da câmera. Talvez estejamos diante de uma geração que não gosta de se expor, que não vai alimentar programas de Big Brother. E que vá ensinar aos pais uma nova relação com a imagem e os tantos reflexos no “espelho”.

Fonte Estadão

Texto Carolina Delboni

 

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