Correndo prá que?

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– Menina Clara?

– Humm?

– O que acontece com estes humanos que você traz aqui de vez em quando que ao chegarem perto de nós, cavalos, estão com os olhos crispados, o coração tão apertado que nós não conseguimos sincronizar com eles.?

– Como assim, sincronizar os corações, Gê? Perguntou Clara enquanto tirava os arreios e os pendurava no cavalete, perto da porta da cocheira predileta de Getúlio.

– Ah tá, Menina Clara, vai dizer que esqueceu as primeiras aulas de equitação? “O cavaleiro e o cavalo trabalham para formar um conjunto e quando isto acontece, os corações, as batidas, estão em sincronia”, oras! Onde você estava quando disseram isto?

– Ah, é disso que você esta falando, Gê?

– Não, eu estava falando dos humanos que vêm aqui, mas precisei desviar o assunto prá refrescar sua memória que, aliás, anda um pouquinho distraída hoje, deu prá notar lá na pista. Mas vai, explica prá mim o que te perguntei antes. – Disse Getúlio, enquanto tomava água.

– Gê, entre nós, humanos, tem muitos que são os chefes de manadas, vamos chamar assim. Precisam trabalhar com muitas pessoas, tomar decisões difíceis e, às vezes, para cumprir esta tarefa, acabam trabalhando muitas horas em um dia, por vários dias seguidos, as vezes a vida toda.

– Mas não param prá descansar nunca, Menina Clara? Perguntou Getúlio, assustado.

– Não é bem assim, Gê, mas também é assim, disse Flávia enquanto lavava o dorso do cavalo.

– Ah, não entendi. É prá montar desmontado, queres dizer?

– Não, Gê, é que essas pessoas para se manterem líderes da manada, preenchem seus dias com uma agenda bem cheia de tarefas, tanto que nem sobra tempo prá cuidarem de si mesmas ou prá sua família ou amigos. É um problema que já acontece há anos. Só que chega uma hora que isto vira um problema de saúde, aí, dá nisto que tu

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vistes, pessoas desconectadas com o seu coração. Disse Clara já de escova na mão para alisar as crinas.

– Nossa, vocês humanos…são uma espécie estranha, vamos dizer assim. Disse o cavalo entre uma bocada e outra no balde de aveia.

– Como assim, Gê?

– Ah, ué, andam em duas patas, têm cérebro prá pensar e se maltratam deste jeito? Eu hein?

– Ah e cavalo é tudo normal?

– Claro, nossa conexão com a natureza, permite ficar mais harmônicos. Mas agora eu entendo que depois de passarem um dia inteiro aqui, estes humanos que tu trazes, saem como se estivessem naquelas nuvens lá, ó!, apontou Getúlio pro céu, com o focinho.

– É Gê, porque aqui eles aprendem a se reconectar com o seu eu, a ver o que é realmente importante para as suas vidas. Por isto tu percebes que no final, eles já estão sincronizando com o coração da manada que tá aqui, né? acrescentou Clara, enquanto guardava os produtos de limpeza na caixa.

– Menina Clara, me diz uma coisa. E você ganha por isto?

– Claro né Gê, eu faço isto como um trabalho.

– Ahhh, então eu também quero ganhar, disse Getúlio juntando o balde com o focinho.

– Como assim, Gê?

– Ora, se eu faço parte do teu trabalho e você ganha, podia me dar mais ração, né?

– Getúlio! Eu vou te dar é um banho, isto sim! Falou Clara ameaçando pegar na mangueira.

– Nãããooo, que eu já to arrumadinho prá dormir!

– Tá bom Gê, boa noite, até amanhã, se despediu Clara com um abraço.

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– Até, Menina Flávia.

*Inspirado na entrevista feita com Flávia de Oliveira Ramos, especialista em desenvolvimento de pessoas, usando técnicas do hipismo aprendidas ao longo de sua carreira como amazona.

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