G.R Garcia, de 13 anos, entrou com uma representação no Conselho Tutelar da cidade de Taubaté, SP, solicitando que seja aberto um processo de impeachment contra seu pai, A.M. Garcia, para destituir seus poderes paternos. Ela alega direito de liberdade cerceada por ter sido proibida de jogar vídeo game na última quinta feira, dia 14 de abril, após chegar da escola. G.R não concorda com esta decisão e, por isto, resolveu recorrer à outra instância a fim de resolver o problema e retomar seu direito de jogar vídeo game quando bem entender. “Eu não posso ter minha liberdade, meu direito de diversão cerceado, apenas porque ele é pai e quer mandar em mim”, disse a garota, irritada com o que aconteceu.
Se esta situação relatada acima fosse verdadeira e colocada nas redes sociais e nos whatsapps, certamente ocorreria um grande debate sobre quem tem razão neste caso. Uns defenderiam a posição do pai, outros da filha e outros talvez questionassem o julgamento que o juiz daria a questão. Estamos assim, atualmente, discutindo por tudo que é assunto, mesmo que não tenhamos conhecimento dos fatos e das regras do jogo.
Mas ela se iguala claramente a um fato que está se tornando corriqueiro na vida pública brasileira. Os pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal, o STF. Vários deles são motivados por discordância das decisões que estes juízes tomaram, sozinhos ou em conjunto com seus colegas. E, muitas vezes, motivados por razões políticas ou porque acham que o Ministro não deveria ter decidido sozinho assunto de tamanha repercussão e consequência.
Primeiro creio ser interessante dizer que até onde sei, é somente no Brasil que a Suprema Corte tem tanta promoção e espaço na imprensa se comparado com a da Alemanha, por exemplo, onde pouco se sabe quem são os julgadores. Depois que é um fato curioso tentar entender porque todos querem discutir as decisões tomadas por estes juízes se, 90% das pessoas não entendem dos ritos de um tribunal, muito menos das leis nas quais eles se baseiam para tomar as decisões.
Mas vamos adiante. Sempre que um grupo ou uma pessoa discorda da decisão de um Ministro, abre-se um enorme debate na sociedade e, muitas vezes, nos meios de comunicação. É uma discussão infindável porque cada um defende sua visão. É como discutir religião e futebol e isto não dá certo. É como querer o impeachment do juiz da partida porque marcou um pênalti contra o meu time.
O tema mais acalorado atualmente é de como o STF pode interferir tanto na isonomia dos poderes, tomando decisões (para alguns) que vão além das suas atribuições. E o segundo assunto que também levanta o ibope é se um Ministro pode tomar decisões monocraticamente. A primeira resposta é sim. Em todas as situações onde a Constituição está sendo “ferida” é dever do STF, como seu guardião, interferir ou decidir se assim for “provocado”. Então, não é um absurdo que o órgão maior da justiça brasileira tome por sua própria conta, decisões que, ao final, afetam a vida dos brasileiros, como foi o caso de resguardar aos Estados e Municípios o direito de determinar regras em relação ao combate da pandemia. Algo muito contestado pelo Governo Federal.
A segunda resposta demanda começar com uma pergunta. Quando uma pessoa entra com uma ação judicial na primeira instância, por exemplo, numa cidade do interior, a decisão é sempre de uma única pessoa, o juiz, certo? Portanto, monocrática. Se quem entrou com a ação não concorda com a decisão, recorre à instância superior que, novamente, poderá ser decidida por um único juiz. Esta nova decisão só irá para as mãos de mais juízes se assim for solicitado. Ou seja, pelo rito judicial do processo, a situação em questão pode ir do início ao fim sendo decidida por uma única pessoa porque esta é a “regra do jogo”. Porque assim foi determinado pelas leis criadas para tal e pelos regimentos internos (que não deixam de ser leis).
Portanto, se em cada uma destas etapas, por discordar da decisão fosse pedido o afastamento do juiz, muito em breve não haveria quem julgasse as ações. Levando esta situação para o impeachment do pai da garota fictícia ou para o STF, as situações se igualam. Porque ao final, todo este movimento contra o Supremo Tribunal é, na verdade, uma tentativa de desestabilização das estruturas da democracia. Quando se busca desacreditar os poderes e jogar a sua imagem na lama, levantando a ira da população contra eles provavelmente é porque não se sabe governar com a existência pacífica destes poderes e busca, ao final, governar sozinho, sem qualquer controle sobre os seus atos. “Se você não concorda com a decisão, me prove que estou errado, mas não destrua minha imagem, minha casa, na tentativa de ficar com a razão e o poder de decisão”.