Interromper a fala de mulheres também é violência de gênero

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Foto Pexels Alena Darmel

Muito além do assédio sexual, as profissionais estão expostas a uma série de questões que necessitam maior visibilidade

O relatório “Women At Work”, realizado pela Deloitte, investiga anualmente a situação das mulheres em relação ao mercado de trabalho, saúde, segurança, direitos e responsabilidades domésticas em todo o mundo. Em sua quarta edição, destacou os principais desafios enfrentados no ambiente de trabalho.

O estudo revela que metade das mulheres entrevistadas possuem níveis de estresse mais elevados do que no ano anterior, enquanto dois terços não se sentem à vontade para discutir saúde mental no trabalho ou utilizá-la como justificativa para licenças. Apenas uma em cada dez mulheres sente que seus empregadores oferecem suporte para equilibrar responsabilidades profissionais e pessoais. No Brasil, 30% das mulheres obrigadas a retornar ao trabalho presencial em tempo integral se viram obrigadas a reduzir suas horas de trabalho.

De acordo com Bia Nóbrega, especialista em Desenvolvimento Humano e Organizacional com quase 30 anos de experiência, a violência contra a mulher no ambiente de trabalho é um problema profundo e persistente, que vai além dos casos extremos de assédio ou discriminação óbvios. “Além de enfrentar a sobrecarga de conciliar exaustivamente múltiplos papéis, equilibrando questões profissionais e inúmeras pessoais, as mulheres também estão expostas a diferentes formas de violência nesses locais, o que afeta diretamente sua saúde mental”, explica.

Para a especialista, essas situações podem variar desde casos extremos, como exclusão ou assédio (seja moral ou sexual), até agressões sutis, como interrupções machistas que impedem uma mulher de concluir seu raciocínio, explicações óbvias sobre questões que um homem presumiria que a profissional não sabe ou não entende e até mesmo o roubo de ideias e a falta de reconhecimento de méritos. “Embora esses exemplos sutis sejam mais comuns no mercado de trabalho, eles têm consequências graves e frequentemente levam ao esgotamento mental, principalmente por serem mais difíceis, culturalmente, de tratar”, explica.

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Além disso, há questões mais discutidas, como a falta de equidade de gênero, onde mulheres ainda enfrentam barreiras significativas, representando apenas 33,7% dos empreendedores no Brasil. “Ainda assim, desempenhamos um papel vital na inovação e na economia”, completa. De acordo com dados levantados pelo IBGE, entre abril e junho de 2023, o Brasil contava com 9,9 milhões de mulheres à frente de seus negócios, o que não chega nem à metade dos novos donos de negócio. No segmento de tecnologia, a representatividade feminina se torna ainda menor: um estudo do Instituto Rede Mulher Empreendedora mostra que apenas 2% delas possuíam negócios no setor de tecnologia em 2023.

Diante desse contexto, é possível observar que, apesar de alguns avanços, as mulheres ainda enfrentam uma série de desafios e obstáculos, que envolve desde a falta de oportunidades, diversidade nos negócios, acesso limitado a financiamento, estereótipos de gênero, desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal até falta de redes de apoio e mentoria, entre tantos outros gargalos.

Violência em números

O estudo “Mulheres e liderança na burocracia federal”, publicado pela República.org e com foco em altos cargos, destacou a alta incidência de assédio sexual e violência psicológica sofrida por mulheres no serviço público federal. A pesquisa revelou que 28,3% das respondentes vivenciaram assédio sexual no trabalho, enquanto 30% enfrentaram violência psicológica.

Além disso, 15,5% relataram ter sofrido violência política. Conduzido entre novembro e dezembro de 2023, pelas cientistas políticas Michelle Fernandez e Ananda Marques, o estudo integra um trabalho mais amplo ainda em andamento. Os dados mostraram ainda que 55,1% das entrevistadas identificaram discriminação de gênero no ambiente de trabalho.

Outro estudo, o relatório anual “Female Founders Report Forum”, atualizado em 2023, mostra que as startups lideradas por mulheres ainda representam 10% do total de negócios acordados, contra 75% daquelas lideradas por homens. “Essa desigualdade é um reflexo do preconceito e estereótipos de gênero por parte, também, de investidores”, comenta Bia.

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É preciso mudar a cultura empresarial

Mesmo diante dos desafios, diversas frentes de incentivo ao empreendedorismo feminino estão sendo desenvolvidas. Programas de mentoria específicos para mulheres, por exemplo, se tornam cada vez mais comuns, oferecendo orientação, capacitação e networking para ajudá-las a enfrentar as adversidades no mundo dos negócios.

“Apoiar e capacitar mulheres empreendedoras é uma forma de criar um ecossistema propício à inclusão e diversidade, além de impulsionar a inovação, criatividade e o crescimento econômico de toda a sociedade. Mas é preciso também agir na estrutura das empresas, com treinamentos internos a respeito da inclusão e conscientização de pequenas a grandes violências de gênero”, explica a especialista.

O fim do VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity, Ambiguity) e a preparação para o mundo BANI (Fragilidade, Ansiedade, Não Linearidade, Incompreensível) ressaltam a necessidade de uma transição organizacional que começa com a transformação pessoal. A proposição estratégica de políticas e práticas, bem como a adoção de ritos e símbolos culturais, são fundamentais para essa nova fase.

Carolina Lara Comunicação

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