“Beba com moderação” é um dos slogans mais usados atualmente. Mesmo assim, poucas pessoas sabem o que isso quer dizer. Dados de uma pesquisa inédita sobre o perfil do consumidor de álcool no Brasil, obtida com exclusividade pelo EXTRA, revelam que a maioria dos brasileiros (57%) desconhecem ou consideram a moderação acima dos parâmetros definidos pelas autoridades de saúde.
A Pesquisa Domiciliar sobre o Padrão de Consumo de Álcool e suas Características Sociodemográficas no Brasil, realizada pelo Ipec a pedido do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, mostrou que a maioria dos brasileiros (55%) não bebe. Entre os que bebem, 27% fazem de forma moderada, conforme recomendação das autoridades de saúde, e 17% de forma abusiva.
No entanto, a maior surpresa, do levantamento que traça perfil do bebedor brasileiro é a constatação de que 75% dos consumidores abusivos acreditam que bebem de forma moderada, sendo que apenas 13% reconhecem que precisam mudar seus hábitos. Além disso, 11% admitem que bebem muito, mas não consideram isso como um problema. No total, o levantamento entrevistou 1.983 pessoas de forma presencial e domiciliar, em abril de 2023.
Para a socióloga Mariana Thibes, coordenadora do CISA, esses dados escancaram a dissonância entre os parâmetros oficiais trabalhados pela saúde pública para o consumo de álcool e a percepção da população sobre o próprio consumo.
“No Brasil, o uso abusivo de álcool é naturalizado. Enquanto as pessoas acharem que esse padrão de consumo não é um problema, não podemos atuar. A pesquisa mostra que antes de qualquer coisa, precisamos informar e esclarecer a população acerca dos parâmetros de consumo de álcool e os danos associados ao uso nocivo”, completa Thibes.
Para ela, um dos fatores que podem explicar esse desconhecimento sobre o consumo moderado e, consequentemente, o consumo abusivo é a confusão entre consumo abusivo e dependência.
“As pessoas acham que só tem problema com álcool aquela pessoa que já desenvolveu dependência. Isso não é verdade. A prevalência de dependência de álcool no Brasil é de 1,5%, enquanto o consumo abusivo, que também está associado a problemas para a saúde, está em 17%”, pontua Thibes.
Consumo moderado versus abusivo
Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que não existe um padrão de consumo de álcool absolutamente seguro. No entanto, o consumo moderado é aquele que apresenta um baixo risco para a saúde.
As principais diretrizes definem o consumo moderado de álcool como duas doses ao dia para homens e uma dose para mulheres. Cada dose corresponde a uma lata de 350 ml de cerveja, uma taça de 150 ml de vinho ou 45 ml de destilado, como vodca ou gim.
O psiquiatra Arthur Guerra, presidente do CISA, explica que a diferença no limite de homens e mulheres ocorrem porque, em geral, as mulheres têm menor peso, altura e enzimas no fígado que metabolizam o álcool.
Já o consumo abusivo de álcool é a ingestão de pelo menos quatro doses, para mulheres, e cinco doses para homens, em uma única ocasião no último mês. Segundo Guerra, este é um consumo que ocorre em maior frequência em eventos sociais, como festas, churrascos e happy hours.
“O fato de não beber durante a semana, mas “descontar” no fim de semana é perigoso e expõe a pessoa a riscos à saúde de curto a longo prazo”, alerta Guerra.
No curto prazo, os riscos incluem intoxicação por álcool e comprometimento na capacidade de tomar de decisões, o que implica em envolvimento em brigas, acidente de trânsito, relações sexuais sem proteção e até mesmo coma alcoólico e morte. No longo prazo, esse consumo pode ter um impacto negativo em diversos órgãos e sistemas, especialmente: trato gastrointestinal, fígado, pâncreas, sistema nervoso e sistema cardiovascular.
“O álcool é uma substância aceita quando usada de forma social. Mas é preciso ter cuidado quando ela é usada de forma exagerada, na frequência ou quantidade. O uso crônico de álcool acarreta em prejuízos para o corpo e para as relações sociais, seja no trabalho como na família”, alerta o médico.
Perfil do consumidor brasileiro
A maioria dos bebedores são: homens, pardos ou negros, de 25 a 34 anos, ensino médio, católico, classe C, região Sudeste e renda entre 2 e 5 salários mínimos.
A pesquisa mostrou que o brasileiro que consome álcool, de forma moderada ou abusiva, possui maior escolaridade e maior renda que os abstêmios, sendo que pessoas que apresentam ensino superior completo são mais prevalentes entre os moderados. Thibes especula que o alto preço das bebidas alcoólicas esteja por trás dessa tendência de maior consumo entre pessoas de maior renda e que a educação e o acesso à informação pode ser um fator importante para moderar o consumo.
Mas essas são apenas pistas que precisam ser confirmadas por pesquisas mais focadas. No geral, as pessoas consomem álcool pelo menos uma vez por mês. Em relação à quantidade, a maioria dos entrevistados consome até 4 doses por ocasião, que é o limite para o consumo abusivo.
No recorte por faixa etária, os adultos de 25 a 34 anos são os que mais consomem álcool no Brasil, tanto de forma moderada quanto abusiva. Em seguida, estão aqueles de 45 a 59 anos. Os jovens de 18 a 24 anos ficam em quarto lugar no ranking das faixas etárias que mais bebem no país. Entretanto, eles apresentam a menor porcentagem de abstêmios e a segunda menor taxa de consumo abusivo, em conjunto com os adultos de 35 a 44 anos.
A última edição da pesquisa Vigitel do Ministério da Saúde, que traça o perfil da saúde dos brasileiros, já havia apontado para uma redução do consumo abusivo de álcool entre essa jovens. Os dados apontam para uma tendência já observada em outros países de primeiro mundo. Embora visto com bons olhos, os especialistas pedem cautela, dado que a pandemia pode ter influenciado esse comportamento.
“Não sabemos se essa mudança é só um efeito da pandemia ou se é de fato uma mudança de comportamento dessa geração”, diz Thibes.
Alerta entre idosos
Os idosos com 60 anos ou mais são o grupo que menos bebe. Entretanto, aqueles que bebem praticam consumo abusivo de álcool com mais frequência do que as outras faixas etárias: 17% deles afirmam consumir seis ou mais doses de duas a quatro vezes por semana e 9% o fazem pelo menos cinco vezes por semana.
“Esse é um dado que surpreende e preocupa porque as pessoas dessa faixa etária muitas vezes acham que não tem problema beber para relaxar. Mas não é bem assim. Sabemos que o álcool é fator de risco para uma série de doenças crônicas que já são mais frequentes nessa idade”, ressalta a socióloga.
Além disso, as evidências sobre os riscos do consumo de álcool são relativamente recentes. Basta lembrar que a Lei Seca, que proíbe dirigir alcoolizado, foi criada há apenas 15 anos.
Outro fator curioso apontado pela pesquisa é que a religião parece atuar como um fator de prevenção contra o abuso de álcool. Os praticantes das religiões católica e evangélica são mais abstêmios e praticam menos consumo abusivo de álcool do que pessoas de outras religiões ou sem religião.
FONTE: EXTRA | GLOBO – por Giulia Vidale