Não tenho dinheiro, mas tenho cartão!

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Acordou, respirou, fez sua higiene pessoal, colocou a máscara, pegou seu álcool em gel e foi trabalhar. Queria ter ficado em casa usando meias kendall, que não tem, mas acha o maior barato. No entanto, tinha uma obrigação a cumprir.

Chegou cantarolando Nelson Gonçalves, um gosto duvidoso, diria os nascidos nos anos 2000.  Sentou na sua cadeira de rodinha e ligou o notebook. Em menos de dez minutos viu se desfazer a paz. Ao abrir o e-mail lá estava ela. A bendita, a cheia de números, a desalmada fatura do cartão de credito.

Nunca soube direito como pouquíssimas compras de vinte reais poderia resultar em mil. Nunca entendeu essa tal matemática que faz com que umas comprinhas pingadas virem o mostro devorador do salário inteiro.

O pior é não saber onde o seu suado dinheirinho foi parar. Uma comprinha de frutas na passagem da feira livre, umas coisinhas das prateleiras de farmácia, uma ida na padaria, um cafezinho maroto, uma pizza, afinal, né, ninguém é de ferro e umas blusinhas marotas de só R$ 19,90 levaram embora boa parte do seu tempo de vida.

A princípio achou que ganhava muito mal. Onde já viu?! Mal dá para as suas necessidades básicas. Em questão de segundos pensou em pedir aumento, se demitir, fazer uma greve, fazer hora extra, pedir dinheiro emprestado, parcelar a fatura, ligar pra mãe e reclamar da inflação. Pensou em tudo que não resolveria. Inclusive em dizer uns desaforos para a atendente do Bradesco. Mas, a vida é sincera e o diabo moleque. Sabia que não iria adiantar.

Fechou os olhos, entoou o mantra da prosperidade, deu uma pausa no assunto e começou a trabalhar. Ainda bem que a moda agora é turnão. Chegou em casa, após seis horas corridas de pura “ralação” e decidiu que era hora de discutir a relação.

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Tomou um banho gelado para equilibrar suas emoções e chamou o cartão de crédito para conversar. Falou tudo o que estava sentindo. Falou do vazio, do impulso e da necessidade de agradar. Falou da vizinha que anda sempre muito arrumada, das maquiagens que ama e que vivem em preço promocional. Falou do vicio em papelaria e assumiu que tem fetiche pelos preços terminados em “enta” R$ 19.90, 49,90, 199,90.

O cartão de crédito nada falou. Sempre soube o que ela sentia quando de “dentes abertos” digitava a senha e esperava a aprovação. Respeitou seu momento de desabafo e decidiu não julgar, mês que vem, sabia ele, que ela voltaria novamente a parcelar.

Por hoje, salvem a rainha, que continua linda na libra esterlina!

Não tenho dinheiro, mas tenho cartão!

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