O Fim da Dança no Grande Círculo

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Não quero falar sobre políticas ou movimentos sociais. Sim, eu entendo, essas coisas são importantes, mas ainda mais importante é a consciência humana. Sem consciência, ainda que existam boas políticas públicas, movimentos defendendo os direitos indígenas, ainda assim faltará algo fundamental e necessário: a consciência sincera e amalgamada de que o indígena, ou os povos originários, como insiste o politicamente correto, não é diferente de mim, de você, do rico, do pobre, do gay, do político, da dona de casa, do empresário, professor e até mesmo do preconceituoso. Ele é um ser humano inteiro, completo, pleno. Ele ama, vive, sofre, tem fome e sede, sonha e ri, chora e caminha sobre a terra. O indígena não é um produto comercial ou adereço da moda xamânica que, aliás, nem tem mesmo a ver com a cultura indígena latino-americana.

A imagem que desejo transmitir é a de uma percepção muito mais próxima do ser humano completo, que tem direitos inalienáveis, da alma e do mundo, tanto quanto um pai de família deseja aos seus filhos. Hoje, os cientistas sociais, antropólogos, historiadores e até mesmo astrofísicos reconhecem que a sociedade não aguentará o ritmo de destruição ambiental, transgressão moral em múltiplos níveis, dependência de medicação neuroquímica e instabilidade socioeconômica.

Estamos à beira de uma grande mudança, talvez o fim da civilização da forma como a conhecemos. Essas informações, porém, não mudam o fato de que as civilizações indígenas são as que tem sobrevivido a todas as mudanças, independente do seu genocídio, do massacre, desrespeito, preconceito e os pseudo-especialistas que sempre sabem o que é o melhor para eles. Aliás, conservando as proporções históricas, sabe-se mais e fala-se mais do holocausto na Segunda Grande Guerra do que o holocausto indígena.

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Nós não ouvimos sua sabedoria, ao contrário, preferiu-se usar seu sangue para produzir medicamentos que eles não têm acesso, roubar suas terras com o subterfúgio do progresso e do que é melhor para todos. Por todo o mundo isso aconteceu, e ainda acontece, e continua-se a vê-los apenas como “índios”. É por isso que talvez nossa civilização não sobreviva à própria tecnologia e seu progresso nefasto, afinal de contas, como se pode chamar de progresso uma nação onde seus líderes se preocupam em aumentar seus próprios salários milionários, entre discursos falaciosos e corrupção travestida de democracia, ao invés de ter um olhar humano sobre o outro ser humano, que aliás é responsável por ter preservado grande parte da natureza, nesta nação, como outros povos, em outras?

Como tudo, as possibilidades de mudança e transformação estão em aberto. Sim, há pessoas militantes de bem, políticos do bem, cientistas e especialistas de bem, que conseguem ver além das estampas e agir dentro de suas possibilidades. Ainda que essas ações não sejam suficientes, é preciso conhecer a alma do indígena, procurando conhecer a de si primeiro, oferecer o melhor. Não pelo fato de querermos participar de um movimento, para dizer que somos engajados, pois há muitas necessidades em todas as esferas daquilo que o ser humano precisa. Da mesma forma o universo feminino, LGBTQIA+, negro, nordestino, da periferia, os refugiados ou muçulmanos.

Não é enxergando a todos esses (nós mesmos) como diferentes, mas nos tornando iguais, onde não sejam mais necessárias siglas, grupos, bandeiras, modas ou ideologias, mas o olhar nos olhos do outro com o mesmo respeito que temos para com nossos pais. É preciso entender que, no momento em que nomeamos um grupo, não estamos falando diretamente dos indivíduos, mas generalizando o conceito que tenta definir o indivíduo. Por isso, lembramos; indivíduos não são conceitos, são seres humanos.

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Se um não-indígena usa os adereços de uma etnia, mas despreza o indivíduo, se não é capaz de sentar-se à mesma mesa para partilhar a ceia, ou não aceitaria que ele se sentasse à mesa de sua casa, com sua família, então certamente ele se apropriou de algo que não lhe pertence. Se o mesmo indivíduo, porém, usa os adereços para mostrar o respeito, honrar a existência do indígena, negro ou qualquer outro, e o convida para sua mesa, então é uma verdade que ele ajuda a fortalecer a cultura e demonstra que todos, todos nós, fazemos parte da mesma Humanidade.

Por isso, mais do que nunca é momento de vestirmos os trajes cerimoniais de todos os povos e comungarmos na mesma mesa, pedindo bênçãos aos antigos e oferecendo também nossas mãos, para dançarmos no grande círculo da nova vida e de uma nova civilização Humana. A escolha, como sempre, é toda nossa.

Mauricio Andrade

Foto Leo Demeter

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