MEU COCO, o mais novo CD de Caetano Veloso

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Para os amantes da sexta cultural e ansiosos pelas dicas do fim de semana, eu volteei!

Depois de uma longa pausa de escrita mas não de consumir arte e cultura, claro, mesclados com a nova rotina de minha filha, estou de volta na coluna deste jornal.

Continuo lendo livros, e assistindo filmes e séries, de forma mais lenta, confesso, mas o que tem tomado conta da maior parte dos meus dias são as músicas e os podcasts, logo vocês terão muitas dicas sonoras por aqui.

E para começar com chave de ouro, vos apresento MEU COCO, o mais novo CD de Caetano Veloso. Já citei em matérias passadas que a produção audiovisual foi muito importante durante esse momento de pandemia, vários artistas produziram suas artes para acalentar nós que estávamos isolados em casa. Filmes caseiros, podcasts, lives e projeções surgiram como novos formatos de se fazer arte. Vários artistas conseguiram tirar desse momento tão difícil verdadeiras obras de arte, sendo grande parte de forma mais simplória e intimista.

MEU COCO é o último lançamento solo de Caetano, o CD conta com doze faixas autorais gravadas em um estúdio caseiro e mais uma carta aberta do cantor.

Escutar esse CD é como um afago logo após acordar durante o café da manhã, ou olhar a janela em um dia de chuva, ou ainda a lembrança de brincar de roda com canções populares sabe?! Se você ainda não escutou essa obra prima, corre pro Spotify, aperte o play e me conta o que achou.

Ah, e lógico que eu vou copiar a carta aberta do Caê aqui em baixo pra inspirar vocês. Escutar as músicas sabendo da história e o processo criativo delas é muito mais gostoso também.

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Espero que gostem!

Beijos e até semana que vem.

“Muitas vezes sinto que já fiz canções demais. Falta de rigor?, negligência crítica? Deve ser. Mas acontece que desde a infância amo as canções populares inclusive por sua fácil proliferação. Quem gosta de canções gosta de quantidade. Do rádio da meninice, passando pela TV Record e a MTV dos começos, até o TVZ no canal Multishow de agora, encanta-me a multiplicidade de pequenas peças musicais cantadas, mesmo se elas surgem a um tempo redundantes e caóticas. Há nove anos que eu não lanço álbum com canções inéditas. No final de 2019, tive um desejo intenso de gravar coisas novas e minhas. Tudo partiu de uma batida no violão que me pareceu esboçar algo que (se eu realizasse como sonhava) soaria original a qualquer ouvido em qualquer lugar do mundo. ‘Meu Coco’, a canção,

nasceu disso e, trazendo sobre o esboço rítmico uma melodia em que se história a escolha de nomes para mulheres brasileiras, cortava uma batida de samba em células simplificadas e duras. Minha esperança era achar os timbres certos para fazer desse riff sonhado uma novidade concreta. E eu tinha a certeza de que a batida, seu som e sua função só se formatariam definitivamente se dançarinos do Balé Folclórico da Bahia criassem gestos sobre o que estava esboçado no violão. Com isso eu descobriria o timbre e o resto. Mas chegou 2020, o coronavírus ganhou nome de Covid-19 e eu fiquei preso no Rio, adiando a ida à Bahia para falar com os dançarinos. Esperaria alguns meses?

Passou-se mais de ano e eu, tendo composto canções que pareciam nascer de ‘Meu Coco’, precisei começar a gravar no estúdio caseiro. Chamei Lucas Nunes pra começar os trabalhos. Ele é muito musical e também é capaz de comandar uma mesa de gravação. Começamos por ‘Meu Coco’, de que ‘Enzo Gabriel’ é uma espécie de península: seu tema (seu título) é o nome mais escolhido para registrar recém-nascidos brasileiros nos anos 2018 e 2019. À medida que vou fazendo novas canções, me prometo pesquisar a razão de, na minha geração e mesmo antes dela, nomes ingleses de presidentes americanos terem sido escolhidos por gente simples e pouco letrada, principalmente preta, para batizar seus filhos: Jefferson, Jackson, Washington – assim como Wellington, William, Hudson – eram os nomes preferidos dos pais negros e pobres brasileiros. Ainda não fiz nenhum movimento nesse sentido, mas ter esse disco pronto e estar empenhado em lançá-lo me leva a certificar-me de que farei a pesquisa, como se fosse um sociólogo, assim como ter feito ‘Anjos Tronchos’, canção reflexiva que trata da onda tecnológica que nos deu laptops, smartphones e a internet, me faz prometer-me ler mais sobre o assunto.

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Cada faixa do novo álbum tem vida própria e intensa. Se ‘Anjos Tronchos’ tem sonoridade semelhante à de Abraçaço, o último disco que fiz antes deste, ‘Sem Samba Não Dá’ soa à Pretinho da Serrinha: uma base de samba tocada por quem sabe – e a sanfona de Mestrinho, que comenta as fusões de música sertaneja com samba tradicional. Uma discussão sobre o (não) uso da palavra ‘você’ pela brilhante jovem fadista Carminho virou o fado midatlântico ‘Você-Você’, que ela terminou cantando comigo – e ganhou bandolim sábio de Hamilton de Holanda fazendo as vezes de guitarra portuguesa. Há ‘Não Vou Deixar’, com célula de base de rap criada no piano por Lucas e letra de rejeição da opressão política escrita em tom de conversa amorosa. ‘Pardo’, cujo título já sugere observação do uso das palavras na discussão de hoje da questão racial, teve arranjo de Letieres Leite, baiano, sobre a percussão carioca de Marcelo Costa. ‘Cobre’, canção de amor romântico, fala da cor da pele que compete com o reflexo do sol no mar do fim de tarde do Porto da Barra. Jaques Morelenbaum, romântico

incurável, veio orquestrá-la. Mas também tratou de ‘Ciclâmen do Líbano’, com fraseado do médio-oriente salpicado de Webern. Devo Lucas a meu filho Tom: os dois fazem parte da banda Dônica; devo a atenção a novas perspectivas críticas a meu filho Zeca; devo a intensa beleza da faixa ‘GilGal’ a meu filho Moreno: ele fez a batida de candomblé para eu pôr melodia e letra que já se esboçava mas que só ganhou forma sobre a percussão. E eu a canto com a extraordinariamente talentosa Dora Morelenbaum.

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Este é um disco de quantidade e intensidade. ‘Autoacalanto’ é retrato de meu neto que agora tem um ano de idade. Tom, o pai dele, toca violão comigo na faixa. A nave-mãe, ‘Meu Coco’, guardou algo da batida imaginada, agora com percussão de Márcio Vitor. Mas o arranjo de orquestra que a ilumina foi feito por Thiago Amud, um jovem criador carioca cuja existência diz tudo sobre a veracidade do amor brasileiro pela canção popular”.

MEU COCO, o mais novo CD de Caetano Veloso

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