Com o crescimento do número de casos de contágio pelo Covid-19, coronavírus, o Governo Federal brasileiro reconheceu o estado de calamidade pública, o que foi sendo paulatinamente reproduzido pelos governos das esferas estaduais e municipais.
O Brasil decretou primeiramente o estado de emergência em saúde pública, por meio da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Posteriormente, pelo Decreto Legislativo nº 6, de março de 2020, reconheceu oficialmente o estado de calamidade pública. O estado de emergência e o estado de calamidade pública são institutos semelhantes, e a diferença entre eles é que, enquanto no estado de emergência há a possibilidade iminente de danos à saúde, aos serviços públicos e à população em geral, no estado de calamidade esses efeitos deixam de ser uma hipótese, isso é, já estão concretizados.
Para muitos cidadãos o nome causa um forte impacto, e o “estado de calamidade pública” soa como uma situação apocalíptica com inúmeros reflexos na vida civil. Embora se trate, de fato, de uma situação excepcional, é preciso conhecer os limites do reconhecimento de um estado de calamidade.
Pois bem. O que pode ser feito uma vez decretado o estado de calamidade?
Há diversos pontos que podem ser abarcados, como a determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, vacinação, etc. Também poderá ser objeto do estado de calamidade algumas restrições ao direito de ir e vir, como a restrição temporária de rodovias e aeroportos, locomoção interestadual e intermunicipal, dentre outras que poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
Em adição às medidas mencionadas, é certo que o principal ponto observado pelos governantes ao reconhecer esse estado é flexibilizar limites e restrições orçamentárias, permitindo a destinação excepcional de mais recursos à saúde, sem que o gestor incorra em crime de responsabilidade.
Além dos crimes de responsabilidade, o reconhecimento do estado de calamidade também evita que o gestor seja incurso em ilícito eleitoral. É que, sendo 2020 um ano de eleições, a Lei nº 9504/97 elencou, em seu art. 73, uma série de condutas vedadas aos agentes públicos, que incluem a proibição de distribuir de bens, valores ou benefícios custeados pela Administração Pública aos eleitores. Contudo, o §10º desse dispositivo traz como exceção a essa proibição os casos de calamidade pública.
Certamente, a Justiça Eleitoral não irá punir os agentes públicos que, visando a conter os nefastos efeitos da pandemia sobre o país, distribuam alimentos e medicamentos. Todavia, essas situações deverão atender aos critérios mais objetivos possíveis no direcionamento dos beneficiários e, sob nenhuma hipótese, deverão ser maculadas de proselitismo político ou feitas de modo a garantir o protagonismo personalíssimo do agente público responsável por sua implementação.
Casuísmos deverão ser duramente punidos pela Justiça Eleitoral, caso judicializados.
Ainda sob esse enfoque de eleições, muito se pergunta se os pleitos municipais previstos para outubro desse ano ocorrerão, mesmo com o estado de calamidade. O instituto da calamidade pública, por si só, não obsta a realização das eleições.
Na semana passada, o TSE negou um pedido formulado pelo senador Major Olímpio (PSL – SP) para adiar as eleições municipais em razão da pandemia. Segundo a Presidente da Corte, Min. Rosa Weber, o prazo é estabelecido por lei e a Justiça Eleitoral estaria extrapolando seus limites de atuação caso procedesse à alteração do calendário.
Assiste total razão à Ministra. Com efeito, qualquer mudança nesse sentido deverá ser operada pelo Legislativo, já que os prazos relativos às eleições estão previstos na Constituição Federal ou em Leis Federais, como as Leis nº 9504/97 e 9096/95, por exemplo.
Ainda ontem, o Ministro Barroso, que será em breve o novo Presidente do TSE, afirmou que é razoável que se aguarde até junho para decidir sobre um possível adiamento das eleições. O Ministro afirma ter esperança de que não seja necessário adiar as eleições mas que a saúde da população é o bem maior a ser preservado, de modo que, não sendo possível realizar o pleito com segurança, o adiamento se imporá.
É importante também que se afastem propostas oportunistas como a unificação das eleições municipais e gerais para 2022. A situação excepcional da pandemia não justifica uma mudança substantiva para o processo eleitoral, notadamente porque a unificação enfraquece o debate democrático e pode causar uma confusão ao eleitor, que terá que votar para sete cargos simultaneamente.
É tempo de focar as energias em lidar com a crise sanitária de maneira humana e preservando a vida e a dignidade dos cidadãos brasileiros e a utilização da pandemia para fins políticos deve ser rechaçada por todos.
Por Marina Almeida Morais, advogada especialista em Direito Eleitoral, mestranda em Ciência Política e pós-graduanda em Direito Público.