Como ficam os contratos diante da pandemia?

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O resultado inevitável dessa paralisação é a desaceleração da economia, haja vista que, sem o movimento comercial positivo e o desempenho de atividades autônomas e trabalhos informais, não há a natural geração de renda mensal à população.

Contudo, nenhum dos decretos editados pelos Governos Federal, Estadual ou Municipal atinge as relações jurídicas existentes entre particulares. Vale dizer, o período de quarentena não afeta os contratos particulares até então existentes, os quais continuam obrigando os seus signatários a cumprir com as respectivas obrigações assumidas, em sua maioria pecuniárias e de trato sucessivo.

Fica a pergunta: O período de quarentena, com a paralisação das atividades comerciais e a interrupção na geração de renda mensal da população poderia alcançar as relações privadas a ponto de alterar os contratos até então existentes?

Portanto, dentro deste contexto, surgem questionamentos a respeito da possibilidade de revisão ou até mesmo resolução contratual com base na pandemia; é o caso de contratos de locação, contratos de prestação de serviços, contratos de cessão de quotas sociais, contratos de compromisso de compra e venda, contratos de empreitada, contratos de empréstimos e financiamentos em geral, ocasião em que, o aplicador do direito analisando casuisticamente o caso, poderá exarar seu parecer a respeito da viabilidade ou não da proposta de revisão ou resolução contratual.

Pois bem, é condição sine qua non para correta estruturação de uma relação contratual, a existência de segurança jurídica, sem ela o direito das partes contratantes não se sustenta e torna instável o ordenamento jurídico e político.

A segurança jurídica, por sua vez, se instrumentaliza nas relações contratuais através do princípio do pacta sunt servanda, segundo o qual as obrigações pactuadas entre os contratantes adquirem força vinculante, não podendo a interpretação do contrato transcender aos limites do pacto. Vale dizer, pelo pacta sunt servanda o contrato é lei entre as partes.

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Mas, a força obrigatória dos contratos – pacta sunt servanda -, nela inserida a liberdade de contratar e a autonomia da vontade, que regem o direito privado, não é absoluta, ao menos após a promulgação da CF/88 e do Código Civil Brasileiro de 2002, cedendo em face dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, bem como diante da chamada cláusula rebus sic stantibus.

Isso porque, as relações contratuais estão suscetíveis à influência de fatos externos à relação contratual primitiva, e que são alheios à vontade das partes e podem alterar as circunstâncias fáticas que existiam ao tempo da formação do contrato. Vale dizer, os contratos estão sujeitos à imprevisão, que, no Direito Civil, está representada na forma da cláusula rebus sic stantibus, cujo objetivo é manter a execução do contrato às condições existentes no tempo em que as partes manifestaram as suas vontades, protegendo os contratantes de cenários imprevisíveis e inesperados, e que tornem a execução do contrato demasiadamente onerosa, ou até mesmo impossível.

A teoria da imprevisão, adotada pelo Código Civil, estabelece a possibilidade de rescisão ou de revisão contratual em hipóteses de ocorrência de situações excepcionais, que não poderiam ser previstas ou reguladas pelas partes.

Diante do arcabouço jurídico estampado pelo Código Civil (artigos. 478, 479 e 480 todos do Código Civil), é evidente que a situação gerada pela pandemia do coronavírus pode ser enquadrada como “acontecimento extraordinário e imprevisível”, na dicção do art. 478 do Código Civil, autorizando a revisão contratual.

Com base nisso, passemos à análise conjunta do que dispõem os artigos 421, 478 e 479, todos do Código Civil Brasileiro:

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato(Destacamos).

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Note que, a fim de prestigiar a boa-fé contratual e a função social do contrato, o ordenamento jurídico expressamente admite a possibilidade de revisão contratual, prevendo, inclusive, a possibilidade de resolução (rescisão), ou revisão contratual, na hipótese da ocorrência de fatos extraordinários e imprevisíveis, previsão legal que se constitui em clara manifestação da cláusula rebus sic stantibus e, consequentemente, da Teoria da Imprevisão.

Por outro lado, a aplicação da teoria da imprevisão não leva somente à resolução do contrato, mas também enseja a modificação equitativa para que esse se convalesça, de modo a permitir o cumprimento do pactuado em harmonia com a ordem econômica e social vigente, conforme previsão do art. 479 do Código Civil.

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar situação análoga, assentou o entendimento de que “a cláusula rebus sic stantibus permite a inexecução de contrato comutativo – de trato sucessivo ou de execução diferida – se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente.

Nesse contexto, considerando que os contratos de trato sucessivo (parcelamentos) ou de execução diferida (a ser cumprido futuramente) hoje em vigência foram todos firmados dentro de um determinado contexto econômico, não há dúvidas que a pandemia causada pelo covid-19, por constituir-se em acontecimento extraordinário e imprevisível, absolutamente desconexo dos riscos ínsitos à esses contratos, representa um fator de desequilíbrio contratual capaz de abalar a sua base objetiva e ensejar a sua rescisão ou revisão.

A pandemia equivale a guerra e pode gerar postergação de pagamentos“, afirma o desembargador Cesar Ciampolini, da 1° Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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Conclui-se, desse modo, que o período de quarentena, com a paralisação das atividades comerciais e a interrupção na geração de renda mensal dos cidadãos pode alcançar as relações contratuais privadas, provocando a rescisão ou a revisão dos contratos até então vigentes, cabendo ao Poder Judiciário tutelar esse direito na hipótese das partes não concordarem amigavelmente com a revisão ou resolução contratual.

Por fim, é importante frisar que somente se mostra possível a discussão da revisão ou resolução contratual nessa hipótese se, à época do início da pandemia, o contrato a ser discutido estava em dia, bem como constituir-se em contrato de trato sucessivo, sendo aquele em que o cumprimento da obrigação ocorre na forma de parcelas mensais, ou de execução diferida, representado por aquele em que a obrigação será cumprida somente após certo período da celebração do contrato. Igualmente, a Teoria da Imprevisão e a discussão da revisão ou resolução contratual na forma como disposta nesse artigo não se aplica às operações de cartão de crédito e ao chamado “cheque especial”

Como ficam os contratos diante da pandemia?

 

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