Admitida em janeiro de 2016, na função de líder de operações, a reclamante Elessane Santos Almeida alega ter sofrido tratamento impróprio e humilhante em seu local de trabalho pelo seu coordenador em razão de ser mulher.
Relata que o mesmo sempre apontava defeitos no serviço da reclamante, fazendo constantemente reclamações e críticas na frente de todos, o que acarretava com que não só a reclamante, mas sim, toda a sua equipe fossem motivo de chacota pelas demais equipes.
Afirma ainda que o coordenador disse que sua equipe não era boa pelo fato da reclamante ser uma mulher, porque mulher não serve para coordenar equipe, portanto a reclamante não possuía competência e seria transferida para o turno da manhã.
Diante de tamanha ofensa, a reclamante ligou para o seu supervisor que era o gerente da empresa e pediu demissão, contando a perseguição que vinha ocorrendo, porém o gerente lhe convenceu a permanecer no emprego, afirmando que a reclamante exercia um trabalho exemplar e de extrema competência.
No entanto, as situações vexatórias continuaram, que o seu coordenador parou de se comunicar com ela, deixando de lhe encaminhar as informações necessárias para a emissão de relatórios, cobrando da reclamante situações que ela não tinha conhecimento pois ele não havia lhe passado as informações necessárias, fazendo questão de ressaltar que gestão não era lugar de mulheres, o que ensejou no entendimento da juíza que a reclamante sofria preconceito por ser mulher.
Em resposta, a reclamada se defendeu dizendo que valorizava a igualdade e diversidade entre seus colaboradores, além do mais, recebia feedbacks (informações) negativos, mas que estava satisfeita com o trabalho da reclamante que só foi demitida em razão da pandemia.
O relato de um colega que testemunhou em audiência, foi de que o coordenador tratava a reclamante de forma diferente dos demais, que já viu as pessoas comentando que a equipe da reclamante não era boa e que ela não devia estar ali; que quando passou para o turno diurno percebeu que havia implicância e preconceito do coordenador Vitor para com a reclamante, que transparecia para o depoente que havia sim uma implicância e preconceito por ser ela mulher, o que culminava em um clima estranho quando se fazia presente a equipe da reclamante.
Sobre o assunto, a proteção da empregada contra discriminação, independente de qual seja sua causa, emana dos pilares insculpidos na Constituição Federal, especialmente nos artigos 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, XLI, e 7º, XXX e XXXI. Nesse passo, o Brasil é signatário da CEDAW – Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Decreto 4.377, de 13/09/2002), obrigando-se , na forma do art. 7º, a “adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação; e tomar medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa”.
Como se extrai do art. 1º da Convenção nº 111 da OIT, todo e qualquer tratamento desigual, de caráter infundado, em matéria de emprego ou profissão, que dificulte ou obstaculize o acesso e permanência no emprego, a oportunidade de ascensão e formação profissional, a igualdade remuneratória, bem como promova a violência e o assédio, constitui discriminação. Recentemente, foi publicada a Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021, que incluiu no Código Penal o artigo 147-B, com a seguinte redação: Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
Já havia no âmbito trabalhista a proibição de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho ou de sua manutenção por motivo de sexo, origem, raça, cor, entre outros.
Entretanto, não bastasse o vasto arcabouço normativo, fatores históricos/culturais enraizados na nossa sociedade patriarcal, perpetuam a discriminação contra a mulher, adotando estereótipo de que existiam trabalhos de homens e trabalhos de mulheres e/ou que trabalho de homem vale mais do que trabalho de mulher.
Ressalte-se que, há dificuldade da prova do assédio moral em casos como esse, nos quais a violação é naturalizada e os comportamentos são socialmente aceitos, mesmo assim, a reclamante trouxe prova testemunhal que fez prova de suas alegações. Cabia à reclamada provar que tomou ativamente medidas necessárias para evitar ou coibir agressões decorrentes do fato da reclamante ser a única mulher trabalhando em um ambiente predominantemente masculino, como admitido na defesa. Afinal a reclamada estava ciente de que algo estava errado, pois menciona na defesa ter recebido “feedbacks negativos”.
Importante ressaltar que o empregador é responsável por manter um ambiente de trabalho saudável e respeitoso e responde, independentemente de culpa, pelos atos praticados por seus empregados. Diante da inercia da reclamada em solucionar as agressões psicológicas relatadas pela autora e comprovadas pela testemunha, restou caracterizado o ato ilícito ensejador do dano moral.
No presente caso, o superior hierárquico a tratou de forma vexatória e humilhante, reiteradamente, atentando contra a dignidade da trabalhadora, ocasionando profundo abalo psicológico. A conduta empresarial da reclamada, como empregador, foi omissa, pois não procurou apurar de forma célere e eficaz os episódios narrados pela reclamante, fortalecendo a atitude do assediador e tratando a reclamante de forma discriminatória.
Por fim, condeno a reclamada a pagar à reclamante, o valor de R$ 42.564,00 (quarenta e dois mil e quinhentos e sessenta e quatro reais) a título de danos morais, conforme requerido na petição inicial, sendo imprescindível frisar que todas as mulheres, independente da sua ocupação, marcam a sociedade com a sua luta por igualdade, também com a quebra de estereótipos e preconceitos, lutando pelos direitos ligados à cidadania e a participação da mulher no mercado de trabalho.
LUGAR DE MULHER, É ONDE ELA QUISER.