Transtornos Alimentares: aspectos psicológicos de um mal subestimado

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Os Transtornos Alimentares são alterações graves e persistentes no comportamento alimentar. Eles geram hábitos excêntricos e incompatíveis com a manutenção da saúde, além de preocupações com os alimentos, com o peso e com a forma corporal de maneira excessiva e discrepante com relação a costumes culturais (CID-11).

Os Transtornos Alimentares são comuns principalmente na adolescência, que é marcada por diversas transformações corporais, e têm causas diversas que podem abarcar predisposições genéticas,  vulnerabilidades biológicas e psicológicas e fatores socioculturais (Morgan et al., 2002). A seguir daremos uma atenção especial aos fatores psicológicos envolvidos nessas enfermidades.

 Bulimia Nervosa e Anorexia Nervosa

Os Transtornos Alimentares mais comuns e mais conhecidos são  a Bulimia Nervosa e a Anorexia Nervosa  (CID-11; DSM-5).

A Bulimia Nervosa é marcada por uma preocupação central com o peso e a forma corporal e é identificada por episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos de comportamentos purgativos destinados a prevenir o ganho de peso, como vômitos autoinduzidos e uso indevido de laxantes. Os episódios de compulsão alimentar são marcados pela perda do controle sobre a alimentação e pelo ato de comer significativamente mais ou de forma diferente que o costume. Durante esses episódios, a pessoa se vê incapaz de parar de comer ou limitar o tipo de alimentos ingeridos. As pessoas acometidas por esse transtorno apresentam angústia acentuada sobre o padrão de compulsão alimentar e o comportamento compensatório inadequado.

A Anorexia Nervosa, por sua vez, é distinguida pelo peso corporal significativamente baixo para a altura, idade e estágio do desenvolvimento da pessoa ou pela perda abrupta de peso corporal sem que haja outras condições médicas (ou escassez de alimentos) que justifiquem os sintomas. Para caracterizar o quadro, é preciso ser identificada a presença de comportamentos persistentes para evitar a restauração do peso normal, tais como a restrição alimentar, comportamentos purgativos e a prática de exercícios excessivos a fim de evitar o ganho de peso. Nesse transtorno, o baixo peso e a forma corporal são a questão central para o conceito da pessoa sobre si e, mesmo em caso de severa magreza, é percebido como normal ou não suficientemente baixo.

Apesar de os comportamentos purgativos serem mais frequentes na Bulimia Nervosa e a não ingestão de alimentos, na Anorexia Nervosa, o principal critério para distinção entre os dois transtornos é o peso corporal muito baixo apresentado na Anorexia Nervosa.

Fatores psicológicos

Traços de personalidade como obsessividade, perfeccionismo, passividade e introversão são comuns em pacientes com Anorexia Nervosa (AN) e enquanto pacientes com Bulimia Nervosa (BN) comumente têm altos níveis de sociabilidade, comportamento gregário (tendência a juntar-se a grupos deixando de lado seus interesses individuais), inclinação a ter comportamentos de risco e impulsividade, traços consistentes com o descontrole e a purgação. A impulsividade e a instabilidade afetiva são aspectos centrais em pessoas com Bulimia Nervosa e o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) é uma comorbidade comum a esses casos.

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Alguns padrões de interação familiar também estão associados ao desenvolvimento de Transtornos Alimentares. Pacientes com Anorexia Nervosa costumam descrever suas famílias como quase perfeitas, mas quando descritas por pessoas próximas, essas famílias comumente são identificadas como rígidas, intrusivas e com tendência a evitar conflitos. Por outro lado, pacientes com Bulimia Nervosa normalmente retratam suas famílias como perturbadas e se queixam da falta de afeto e cuidados, o que é confirmado por pessoas próximas. No entanto, essas características podem variar caso a caso.

Os padrões de beleza veiculados pelos meios de comunicação e reforçados pelo convívio social exercem importante influência no desenvolvimento de Transtornos Alimentares. A nossa cultura exalta um padrão corporal praticamente inalcançável e que gera em muitas pessoas, especialmente nas mulheres, uma insatisfação com o seu corpo. Na busca por atender a esses padrões de magreza muitas pessoas podem tornar a forma corporal ideal como foco de suas vidas e recorrer a dietas restritivas e exercícios exaustivos, hábito que pode ter como consequência o desenvolvimento de Transtornos Alimentares.

Ser muito engajado em atividades profissionais de atletismo, balé e modelo, que são atividades que reforçam a demanda por um corpo magro são outros fatores que predispõem a pessoa a desenvolver Transtornos Alimentares (Morgan et al., 2002).

Para além da Bulimia Nervosa e da Anorexia Nervosa

Apesar de o termo “Transtornos Alimentares” logo remeterem aos quadros de Bulimia Nervosa e Anorexia Nervosa,  a Classificação Internacional das Doenças (CID-11) e o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) discorrem também sobre outros tipos de Transtornos Alimentares. São eles:

1.O Transtorno de Compulsão Alimentar, que é caracterizado por episódios frequentes de compulsão alimentar que duram cerca de duas horas e levam a pessoa a comer excessivamente sem ter controle sobre a quantidade e sobre o que se come, muitas vezes são ingeridos alimentos de forma incomuns, como feijão congelado. Essa compulsão é sentida como muito angustiante e acompanhada de emoções negativas como culpa, vergonha ou nojo. A principal distinção entre esse quadro e a Bulimia Nervosa é que, no Transtorno de Compulsão Alimentar, não é comum a prática de comportamentos compensatórios para evitar o ganho de peso.

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  1. O Transtorno de Ingestão Alimentar Restritiva e Evitativa que é caracterizado pela evitação ou restrição da ingestão de alimentos. Esse comportamento resulta na ingestão de uma quantidade ou variedade alimentar insuficiente para atender às necessidades nutricionais e energéticas adequadas ou em prejuízo significativo para o funcionamento em áreas importantes. No entanto, para caracterizar esse transtorno, o padrão de comportamento alimentar deve ser motivado pela preocupação com o peso ou a forma do corpo.

 

  1. A Alotriofagia (ou PICA), que é caracterizada pelo consumo regular de substâncias não alimentares como terra, giz e papel ou ingredientes crus como fermento e farinha de milho, de forma grave o suficiente para causar danos à saúde. Geralmente é provocada por deficiência de zinco e ferro no organismo e é comum ocorrer em mulheres grávidas. Os principais riscos desse transtorno são o de intoxicação alimentar e infecção do aparelho digestivo.

 

  1. O Transtorno de Ruminação-Regurgitação é caracterizado por se trazer de volta à boca, de forma intencional e repetida, alimentos previamente ingeridos que pode ser mastigado novamente e novamente engolido ou deliberadamente cuspido (mas não como no vômito). Para caracterizar o transtorno, o comportamento de regurgitação não deve ser totalmente explicado por outra condição médica que cause diretamente regurgitação, náusea ou vômito.

 

Além desses, ambos manuais também apresentam outros Transtornos Alimentares especificados e não especificados. Existem também estudos em andamento que visam outros comportamentos alimentares inapropriados que podem ser classificados formalmente como Transtornos Alimentares no futuro.

“O mínimo para viver”

Um filme de Marti Noxon intitulado “O mínimo para viver” trata de forma simples e factual a temática dos Transtornos Alimentares. A obra foi desenvolvida em parceria com pessoas que tiveram ou têm distúrbios alimentares e é uma ferramenta interessante para esclarecer algumas questões a respeito do tema. No filme, Ellen, uma jovem com Anorexia Nervosa, é internada em uma clínica onde o médico responsável se utiliza de métodos pouco convencionais para tratar de diferentes tipos de Transtornos Alimentares. Ao longo da trama, são expostas algumas práticas comuns entre pessoas com esses quadros, assim como pensamentos e crenças recorrentes, que são externalizados nos diálogos.

Entre as práticas comumente presentes nesses transtornos estão:

  1. Preocupação excessiva com a aparência;
  2. Baixa consciência sobre a doença;
  3. Marcas e cicatrizes presentes no corpo (como lesões nas costas decorrentes de exercícios abdominais e no dorso das mãos advindas de indução de vômitos);
  4. Tendência a se contar sistematicamente as calorias ingeridas;
  5. Prática excessiva de atividades físicas;
  6. Alterações repentinas no humor;
  7. Indução de vômitos;
  8. Incentivo mútuo entre os acometidos pela doença para que alcancem seus objetivos (saudáveis ou não);
  9. Conversas recorrentes sobre comida e até mesmo expressão do desejo de comê-las;
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O filme aponta a incompreensão da sociedade a respeito desse tipo de doença, a preocupação da família, formas ineficazes de ajudar e o desgaste gerado nas pessoas próximas que buscam possíveis soluções sem encontrar. Além disso, mostra o quanto, muitas vezes, esses quadros são menosprezados e negligenciados, especialmente quando os Transtornos Alimentares são postos em contraste com doenças orgânicas e ressalta uma realidade pouco conhecida de que esses transtornos também podem levar à morte (especialmente por inanição). É reforçado também no filme a importância de uma sólida rede de apoio para a superação dos males causados por essas doenças.

Diagnóstico

O diagnóstico de transtornos alimentares só pode ser conferido por um médico psiquiatra.  Esse profissional realiza avaliações que incluem exame físico para averiguar a existência de outras causas orgânicas para os problemas alimentares, psicológico para averiguar  pensamentos, sentimentos e hábitos alimentares e outros estudos complementares para verificar se há complicações relacionadas ao seu transtorno.

Tratamento

Para tratamento de Transtornos Alimentares é necessário o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar que pode incluir prestadores de cuidados primários, psiquiatras, psicólogos, nutricionistas e profissionais de educação física com experiência em transtornos alimentares. O tratamento vai depender do tipo específico do transtorno, mas geralmente inclui reeducação nutricional, psicoterapia e medicamentos. Em casos mais severos, a internação se faz necessária para que a equipe acompanhe o paciente mais de perto.

Nesse processo, cabe ao psicólogo o acompanhamento focado nos processos de motivação e engajamento do paciente e familiares no tratamento e a intervenção nos aspectos psicológicos que sustentam os transtornos como a baixa autoestima, a insatisfação com a imagem corporal e o isolamento social.

O psicólogo também atua junto aos familiares, que necessitam de apoio e orientação. Muitas vezes as famílias sentem-se culpadas ou já não sabem como ajudar.

Com o tratamento adequado o paciente pode reformular seus hábitos alimentares e nutrir-se de forma mais saudável, inclusive reverter complicações causadas pelo Transtorno Alimentar.

Fonte Efetiva Saúde

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