A urgência de JÁ revisar uma lei recém aprovada
Se considerarmos o conhecimento da Neurociência e de outras ciências fica muito fácil compreender isso. O projeto de Lei aprovado no dia 1°de Julho pelo Senado Federal e encaminhado para sanção presidencial, insere no código penal o crime de violência psicológica como um crime de dano.
Na tentativa de elucidar essas implicações segue um trecho da palestra da Dra. Regina Lúcia Nogueira, PhD em Neurociência e Psicologia, tema: NEUROCIÊNCIA E DIREITO: UM DIÁLOGO IMPORTANTE PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA , e inicia com um estudo internacional publicado ainda em 2014:
“A violência psicológica deveria ser considerada como a forma mais grave de violência doméstica, por afetar a saúde mental das vítimas e, por consequência, a saúde como um todo”.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA, FATOR DE RISCO, CÉREBRO E CRIME:
No ordenamento jurídico, existe uma regra para a tipificação de um crime chamada de nexo de causalidade, vejamos: se o e um evento x causa o evento Y, está tipificado um crime. Porém o que a epidemiologia nos ensina é uma lógica de fator de risco em que um evento não necessariamente causa diretamente uma consequência, mas aumenta a probabilidade que ele ocorra.
Quando ocorre um episódio de violência doméstica, muito provavelmente haverá a existência de prejuízos à saúde mental dessas mulheres podendo levar ao uso de substâncias como álcool, tabaco e outras drogas, pode levar a ela desenvolver doenças não transmissíveis como doenças cardiovasculares e hipertensão, transtornos somatofóbicos como intestino irritável, dor crônica e dor pélvica crônica, e aqui chamamos a atenção pois normalmente essas mulheres são chamadas de poliqueixosas, mas na verdade o que elas estão apresentando são transtornos somatoformes (os transtornos psicológicos estão descritos em um manual que guia o diagnóstico dos profissionais da saúde: DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais). No manual, o transtorno somatoforme é definido como o aparecimento de sintomas físicos sem uma base médica contestável. Em outras palavras, ele nada mais é do que a sensação de diversos sintomas físicos, mas sem uma condição médica que explica o sintoma. Nesse sentido, não há como fechar um diagnóstico médico, já que não existe uma origem orgânica do problema. Esses sintomas físicos são apresentados pelo paciente como forma de expressar que algo não está acontecendo de forma saudável na vida dele) e isso levar de novo a invalidez, deficiências, incapacidades e morte por doenças, por homicídio e por suicídio.
Como demostrar que uma violência psicológica levou essa mulher a desenvolver tantas doenças advindas da violência sofrida, como o direito vai tratar essa questão e vai responsabilizar o agressor também quanto a isso? Fica evidente o desafio quando o direito não considera o conhecimento das neurociências e de outras ciências.
Portanto a lógica de fator de risco precisa ser considerada para que de fato o responsável pela violência psicológica seja responsabilizado. Vejamos um exemplo lógico:
Uma violência doméstica pode levar a um ESTRESSE, que leva a uma ALTERAÇÃO NO CÉREBRO, que leva a uma DEPRESSÃO, que leva uma depressão imunológica e uma ALTERAÇÃO IMUNOLÓGICA que leva a uma DOENÇA AUTOIMUNE. Então no direito, a lógica é (X) causando( Y), no caso da neurociência e das outras ciências o evento( X) causa o efeito (m) que causa o efeito (n) que por sua vez então causa o efeito (Y),alguns sinais e sintomas consistentes com lesão cerebral, que por sua vez traz consequências comportamentais, cognitivas e psicossociais: dor de cabeça, tontura, sentir-se deprimida ou chorosa, irritação, frustração, inquietação, pouca concentração, distúrbios do sono, esquecimento, pensamento lento e muitas vezes nos perguntamos por que essas mulheres não procuram ajuda. É porque a capacidade dela de se autodefender e buscar ajuda foi prejudicada pelo impacto da violência sobre o seu cérebro e sobre o seu sistema cognitivo.
Esse desencadear agrava-se quando há fatores precoces presentes, outros tipos de estresse, pouco apoio social, o medo do controle, a falta de autonomia, afetando diretamente a parte do cérebro capaz de tomar decisões corretas, dificultando a procura de cuidados e outros serviços.
Outro aspecto importante é a dificuldade de visualizar o efeito que a violência psicológica se dá sobre o cérebro.
Vejamos as implicações jurídicas, no Brasil nós não temos tipificado crime de violência psicológica, então, toma-se emprestado outras figuras do código penal para então tipificar a violência psicológica como CRIMES DE DANO, que são definidos como aqueles que se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico, diferentemente do crime de lesão corporal que pode ser demonstrado com exame de corpo de delito e aí sim conseguimos demonstrar o nexo de causalidade.
Nos crimes de violência psicológica fica a pergunta: qual o critério de aferição da gravidade de uma conduta delituosa? O grau do dano? Sua repercussão no interior do grupo social? Tipificar a violência doméstica como um crime de dano não nos faz prosperar muito, nós ganhamos, mas não levamos, pelo menos na maioria dos casos.